Muita gente costuma dizer, meio a sério, meio de brincadeira, que a
Citroën se tornou a marca de luxo da Peugeot. Não é bem assim, afinal
uma montadora que já ofereceu eu seu passado um carro tão popular e
robusto como o 2CV, ou um modelo tão avançado para o seu tempo como
DS19, jamais pode ser olhada desse prisma.
Se existe um carro clássico que ainda se mantém atual em muitos
aspectos, esse automóvel é o Citroën DS19, conhecido aqui no Brasil como
“boca de sapo” ou apenas “sapo”. Assim foi apelidado por causa do
desenho bastante original de sua dianteira, que de feia ou desajeitada
não tinha nada.
A carreira do velho DS começou quando a marca francesa decidiu
substituir, após a II Guerra Mundia um outro modelo criado antes do
conflito e também muito popular no seu tempo, da mesma forma
revolucionário em diversos aspectos: o 11 Traction Avant, chamado aqui
de “11 Ligeiro”.Não foi um nasciemnto fácil, pois sua criação demorou
mais do que o previsto. Por um lado, tinha a responsabilidade de criar
um carro ainda mais avançado do que o Traction Avant, e por outro a
Citröen estava muito concentrada na produção e desenvolvimento de um
carrinho que entrou para a história, o pequeno 2CV.
A Deusa
No final dos anos 1940 os franceses começaram a desenvolver diversos
projetos do que seria o futuro DS (DS francês se pronuncia “deésse”, ou
deusa), mas só em 1º. de outubro de 1955 o carro foi apresentado ao
público no Salão do Automóvel de Paris. Nesse tempo, uma equipe liderada
por André Lefebvre, engenheiro aeronáutico responsável pelos 11 Légere e
2CV, tinha conseguido revolucionar grande parte dos conhecimentos
mecânicos até então aplicados.
A diretriz do novo modelo era simples mas exigente: tinha que ser
muito espaçoso, possuir extraordinárias capacidades dinâmicas e, não
menos importante, ser excepcionalmente confiável. O resultado foi tão
inovador e surpreendente que todos os seus concorrentes correram o sério
risco de se tornar obsoletos em pouco tempo: a inspiração aeronáutica
esteve bem presente na carroceria em forma de gota criada por Bertone (o
carro ainda hoje é referência em aerodinâmica), o teto era feito de
plástico reforçado com fibra de vidro e o espaço interior para os
ocupantes é realmente amplo, graças à inexistência do túnel central para
passagem do eixo carda; naquela época eram comuns carros de motor
dianteiro e tração traseira.
Observando a sua carroceria, vários pontos chama atenção: a frente
muito longa e afilada, devido à colocação do motor atrás do eixo
dianteiro, teto pouoc inclinado que termina numa traseira curta e,
principalmente, rodas traseiras parcialmente recobertas. Mas seu
maior trunfo, ou o segredo que mais revolucionou e marcou a
história do construtor francês, não estava aparente: uma ousada e
eficiente suspensão hidropneumática, curiosamente concebida por um
técnico inglês, que mantêm a altura do solo praticamente constante,
independentemente do peso ou do que transportasse. Permitia ainda a
seleção de três níveis de altura —o mais baixo apenas para estradas com
bom piso e as restantes para estradas ruins ou para trocar algum pneu.
Esta é outra das suas inovações: dispensava o uso do macaco, pois
bastava elevar ao máximo a suspensão, colocar um calço junto ao pneu a
ser trocado e voltar a baixar a suspensão para que a roda ficasse no ar.
Simples e engenhoso. Além disso, como a maioria do peso se concentrava
na dianteira, o veículo podia até circular sem a roda traseira oposta.
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Muitas outras inovações o tornam avançado no seu tempo, como a
posição elevada dos piscas traseiros, tão comum hoje em dia; os comandos
hidráulicos da embreagem, direção e câmbio, acionado por pequenos toques
numa alavanca, como as atuais caixas automáticas seqüenciais, ou até o
sistema de freios, que já dispunha de discos dianteiros e duplo circuito
hidráulico sensível à carga, desenvolvido para que, mesmo avariado,
permitisse o uso de um sistema, mecânico. Mas a Deusa pecava num
aspecto: os motores.
Explica-se. A criação, desenvolvimento e produção do DS foi lenta e
cara, por isso quando chegou momento de definição dos motores, criou-se
um impasse: ou se desenvolvia uma motorização inteiramente nova, que
acarretaria mais custos e mais testes, ou se recorria à atualização de
motores já existentes. Mesmo assim foram testados motores de seis
cilindros arrefecidos a ar e a água, e até um quatro cilindros, com
compressor, mas todos eles deixaram sérias dúvidas quanto à
confiabilidade mecânica.
A escolha para o lançamento acabou sendo por um motor já utilizado no
11 Légere que, devidamente atualizado, tinha potência máxima de 75 cv,
graças ao uso de um carburador de corpo duplo. Os 140 km/h de velocidade
máxima não deixavam o DS mal falado diante da concorrência, pois suas
capacidades aerodinâmicas e mecânicas garantiam o resto.
O Fim
O carro ficou em produção até abril de 1975, quando foi substitu~ido
pelo CX, e teve inúmeras versões de carroceria, desde um belíssimo e
raro conversível de quatro portas, até as populares wagons, muito comuns
nos anos 1960 como ambulâncias, fora variados motores. Teve até
importante na história francesa, não apenas como carro oficial do
governo, mas quando Charles De Gaulle saiu ileso de um atentado quando
seguia a bordo de um DS, que escapou de tiros com um dos pneus traseiros
furados. |